Famosa por causa do zika vírus, microcefalia ainda
confunde cientistas
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16/02/2016 09h20
THE NEW YORK TIMES
As imagens que não
param de chegar do Brasil são inquietantes: recém-nascidos sofrendo com cabeças
malformadas, embalados por mães que querem desesperadamente saber se seus bebês
um dia conseguirão andar ou falar.
O número dessas
crianças pode chegar aos milhares no Brasil, e os cientistas temem novos
milhares quando o zika vírus se espalhar pela América Latina e o Caribe. Porém,
a deformidade impressionante no centro da epidemia, a microcefalia, não é nova,
tendo abalado famílias do mundo inteiro e confundido especialistas durante
décadas.
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Para os pais, ter um
filho com microcefalia pode significar uma vida de incerteza. O diagnóstico
costuma ser dado na metade da gravidez, quando possível; a causa pode nunca ser
determinada – o zika vírus somente é um suspeito nos casos brasileiros,
enquanto muitos outros fatores estão bem documentados. E ninguém pode dizer o
que o futuro pode reservar para uma criança em particular com microcefalia.
Para os médicos, o
diagnóstico significa uma enfermidade sem tratamento, sem cura nem prognóstico
claro. Se o problema explodir, irá sobrecarregar significativamente uma geração
de pais durante décadas.
A Dra. Hannah M.
Tully, neurologista do Hospital Infantil de Seattle, vê a dor regularmente,
ainda mais entre futuros pais que acabaram de ficar sabendo que o ultrassom
mostrou que o neném terá microcefalia. “É uma situação terrível a ser
enfrentada em uma gravidez”, disse ela.
Estima-se que 25 mil
bebês recebam diagnóstico de microcefalia todos os anos nos Estados Unidos. A
microcefalia simplesmente significa que a cabeça do neném é anormalmente
pequena – às vezes somente porque os pais têm cabeças extraordinariamente
pequenas.
“Em si, não significa
necessariamente que haja um problema neurológico”, afirmou o Dr. Marc C.
Patterson, neurologista pediátrico do Centro Infantil da Clínica Mayo em
Rochester, Minnesota.
Contudo, a
microcefalia também pode pressagiar grande dano cerebral. Os casos mais severos
podem ser detectados antes do nascimento com exames de ultrassom, mas isso
geralmente só é possível no fim do segundo trimestre, ao redor das 24 semanas.
A maioria das futuras
mães faz ultrassom em torno da 20ª semana; no entanto, nesse período o problema
pode não ser notado. Muitos pais ficam sabendo da microcefalia somente após o
nascimento, quando a cabeça do recém-nascido é medida.
Mesmo quando acontece
precocemente, o diagnóstico provoca questões difíceis. Em geral, o aborto é
legal nos EUA somente até o feto ser viável fora do útero, o que pode variar
entre 24 a 26 semanas.
Isso deixa os pais
com pouco tempo para uma decisão tremendamente difícil, complicada pela
incapacidade médica de dizer quais podem ser os efeitos da microcefalia.
O futuro dessas
crianças pode variar bastante. Pelo menos dez por cento não têm déficit mental.
Outras crianças são
bastante funcionais, ainda que com deficiências intelectuais. Já outras são
profundamente afetadas, vivendo em cadeira de roda, com capacidade limitada de
comunicação e alimentadas por meio de uma sonda gástrica.
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alerta para casos de síndrome de Guillain-Barre em países com surtos de zika
“As famílias têm
pouquíssimo tempo para os exames necessários, receber os resultados, processar
os pensamentos e tomar uma decisão antes de chegar os limites legais do
aborto”, disse Tully.
Melissa e Peter
Therrien, de Brewster, Massachusetts, enfrentaram essa escolha quando souberam
que a filha tinha um crânio bastante pequeno, após a ultrassonografia durante a
24ª semana de gravidez da mãe.
“Eu fiquei
inconsolável. O médico me deu a opção de abortar, mas eu não conseguiria fazer
isso”, disse Melissa Therrien, de 21 anos.
A filha, Alainah,
agora tem 15 meses, mas seu desenvolvimento é incerto. Ela consegue andar,
embora os médicos tenham dito que isso talvez não ocorresse, e a menina é dada
a gargalhadas, contou a mãe.
Porém, Alainah
somente fala três palavras: mamãe, papai e “aba”, que ela usa para descrever
vários objetos. Ela se expressa por sinais quando tem fome. A menina alcançou
etapas esperadas por um bebê, mas os pais não sabem até onde ela pode chegar.
Os médicos do Hospital Infantil de Boston só vão conhecer a extensão dos danos
cerebrais dentro de pelo menos nove meses. Ela ainda pode ter convulsões e
deficiência aguda.
“É muito difícil. Não
podemos fazer nada para dar um jeito nisso. Praticamente vamos caminhar sobre
ovos pelo resto de nossas vidas”, disse Peter Therrien, 26 anos.
Ministro
diz que não há dúvida da relação entre zika e microcefalia
Se a causa da
microcefalia for determinada, é possível ter uma ideia de como a criança vai se
sair.
Alguns problemas
genéticos estão ligados à microcefalia, entre eles a síndrome de Down. Grávidas
com desnutrição grave, diabéticas ou que consomem álcool estão entre as
predispostas a ter filhos com microcefalia.
A microcefalia pode
surgir após o nascimento em crianças com alguns transtornos genéticos, e em
bebês que ficaram sem oxigênio durante o parto cujos cérebros pararam de
crescer em seus primeiros anos.
Porém, causa grande
preocupação entre os pesquisadores que a microcefalia agora possa ser provocada
por infecções, incluindo toxoplasmose, rubéola e citomegalovírus, um vírus
onipresente.
O zika vírus pode
logo fazer parte da lista. Se ele de fato causar o quadro, é uma complicação
rara. Nenhum aumento na microcefalia está ligado conclusivamente ao vírus fora
do Brasil, embora a Polinésia Francesa esteja investigando um pequeno número de
problemas neurológicos em bebês após a ocorrência de um surto no país.
Nenhum problema do
gênero foi visto no primeiro surto de zika cuidadosamente estudado, que ocorreu
na ilha Yap, na Micronésia, em 2007. Entretanto, Yap tem menos de 12 mil
habitantes. O surto atual é o primeiro no qual os cientistas viram o vírus
invadir um continente grande onde ninguém é imune.
O casal Therrien
alterna momentos de otimismo com pessimismo, esperando exames que darão pistas
sobre o futuro de Alainah.
“Minha maior
preocupação é com seu futuro”, declarou Melissa, mãe de outra menina de seis
anos, sem microcefalia.
“Será que um dia ela
conseguirá ter uma vida como a que a irmã terá?”
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