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domingo, 17 de janeiro de 2016

Mulher dá à luz a gêmeos e um nasce com microcefalia

Mulher dá à luz a gêmeos e um nasce com microcefalia

Caso ocorreu em novembro. Relação com o Zika vírus ainda não foi confirmada

17/01/2016 - 18:13 - Atualizado em 17/01/2016 - 18:16
“Ninguém me disse o porquê. Só falaram que era caso para estudo”. Foi assim, sem receber muitas explicações, que a dona de casa Jaqueline Jéssica de Oliveira, de 24 anos, saiu da maternidade do Hospital Guilherme Álvaro, em Santos, no dia 27 de novembro. Nos braços, ela levava Laura e Lucas, seus filhos gêmeos nascidos dez dias antes. Oito centímetros indicavam uma diferença marcante entre as crianças.
O menino veio ao mundo saudável, com 34 centímetros de perímetro cefálico. Já a cabeça da menina tinha apenas 26 centímetros, o que não deixou dúvidas sobre o diagnóstico: Laura nasceu com microcefalia.
A hipótese da má-formação em um dos bebês já havia sido levantada em setembro, no sétimo mês de gravidez, durante o pré-natal, mas Jaqueline e o marido acreditavam que o quadro poderia mudar até o nascimento. “Fizeram tudo quanto foi exame para ver se eu tinha alguma infecção que poderia ter causado a microcefalia e deu tudo negativo. Naquela época ainda não falavam muito da zika”, conta ela. “A gente achava que ela podia se desenvolver ainda na barriga e nascer normal. Foi um choque quando a gente viu o menino normal e a menina com a cabeça menor”.
Bebês nasceram em novembro no Guilherme Álvaro. Mãe teve dor de cabeça e manchas durante a gestação

A surpresa não foi uma reação apenas dos familiares. Jaqueline ouviu dos médicos que, para ter respostas, o caso teria de ser estudado. E ficava aflita cada vez que entrava em um consultório e via na face do profissional mais interrogações do que esclarecimentos.
“Eu nunca nem tinha ouvido falar de microcefalia. Perguntei para os médicos o que significava, se minha filha teria alguma sequela, e me disseram que talvez ela teria um desenvolvimento mais lento do que o normal. Quis saber mais detalhes e a médica me falou: “Pergunte a Deus, porque ele é poderoso”, conta.
Causas
Ainda não há comprovação de que o Zika tenha sido o responsável pela má-formação em Laura. No terceiro mês de gestação, Jaqueline teve dor de cabeça, manchas e coceira nos braços. Pensou que era dengue, mas, como os sintomas passaram em um dia, acreditou que tinha sido apenas uma alergia.
Após o parto, os bebês passaram por uma série de exames. Várias amostras de sangue foram colhidas. “Mandaram tudo para São Paulo, mas nunca ninguém disse o que deu”, conta a mãe dos gêmeos.
A Secretaria Estadual da Saúde disse que as amostras foram enviadas para o Instituto Adolfo Lutz, laboratório de referência para investigação dos casos de microcefalia com suspeita de ligação com o Zika. O vírus não foi achado no material de Laura, mas esse resultado não é definitivo. Como ainda não existem testes precisos para identificação do agente, há possibilidade de o resultado ser um falso negativo.
Enquanto isso, dúvidas não param de surgir na cabeça de Jaqueline. “Será possível que um vírus transmitido por um mosquito causou isso? Deus teria um propósito para me mandar uma filha assim? Como vai ser o desenvolvimento dela? Será que ela vai falar e andar?”
Agora, o que mais vem preocupando Jaqueline é como dar a atenção que Laura precisa sem descuidar dos outros três filhos: o gêmeo Lucas, Gabrielle, de 4 anos, e Paulo, de 8. Em breve, a bebê vai iniciar o tratamento de estimulação com fisioterapia. “Por enquanto tem minha mãe, que veio de Pernambuco para me ajudar, mas e quando ela for embora?”
Com a família longe, Jaqueline não tem um parente a quem possa pedir ajuda nem condições de pagar uma babá. A única fonte de renda da casa é o salário de R$ 2 mil do marido, que trabalha na construção civil. “Só de aluguel vai R$ 800,00. O que sobra? Eu queria comprar todos esses objetos e brinquedos de estimulação para a minha filha, mas vai ser difícil. Só queria que ela tivesse a chance de andar, falar. Quero um dia ver minha filha aprender a sorrir”.

Fatores

A ocorrência de microcefalia em apenas um dos bebês, no caso de nascimento de gêmeos, já foi relatada na literatura científica e pode estar relacionada ao volume de carga viral a que cada criança teve contato, ao fluxo sanguíneo durante a gestação, à posição do feto na placenta e à resposta de cada bebê a um quadro de infecção.
Segundo a infectologista e virologista Nancy Bellei, professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), casos de má-formação em apenas um dos gêmeos já haviam sido observados em quadros de microcefalias causadas por outros vírus, como a rubéola, a toxoplasmose e o citomegalovírus. 
“Nessas infecções, nem todo feto cuja mãe teve o vírus vai nascer com microcefalia. Pelo contrário, é a minoria que desenvolve o problema. No caso do citomegalovírus, por exemplo, a chance de o bebê ser contaminado pela mãe é de cerca de 10% e, uma vez contaminado, a chance de ele ter microcefalia é de 1%”, explica a especialista. “Não dá para afirmar que essa gestante (Jaqueline) teve zika, mas caso ela tenha tido é um alento saber que nem todas as mães com o Zika vírus darão à luz bebês com microcefalia”, afirma a médica.
Nancy destaca, no entanto, que o mecanismo de atuação do Zika vírus nas gestantes ainda não é completamente conhecido. “É preciso entender melhor por que ele causa uma lesão tão grave no feto e não provoca grandes problemas em um adulto. Grupos de pesquisa estão começando agora a infectar fêmeas de camundongos grávidas para observar essa resposta do organismo”.
Ela defende que, com o surto de microcefalia no Brasil, as grávidas sejam acompanhadas de perto. “A grande questão é por que só aqui estamos tendo essas más-formações, se vários outros países já registraram Zika vírus. Eu não apostaria em questões genéticas da população brasileira, porque somos um povo muito miscigenado. Talvez tenhamos de investigar a interação do Zika vírus com outras doenças ou com alguma condição ambiental específica nossa”, diz ela.
A especialista cita um exemplo: o contato com mercúrio e outros metais pesados também aumenta o risco de microcefalia e, em algumas localidades nas quais há atuação de empresas do ramo químico a água pode ser contaminada com mercúrio. Essa é uma condição ambiental que eleva o risco da má-formação. “Uma mulher que tem contato com essa água e também é infectada pelo Zika vírus teria mais chance de gerar um filho com microcefalia?”, questiona ela. “Todas essas possíveis ligações precisam ser investigadas”. (EC)

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