Com medo de zika, cientistas dos EUA mapeiam estratégia genética de combate

Amy Harmon

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  • Paulo Whitaker/Reuters
Com o vírus da zika se espalhando de forma descontrolada pela América Latina e Caribe por meio do Aedes aegypti, alguns dos principais pesquisadores de mosquitos dos Estados Unidos estão lutando para montar um mapa avançado do DNA, que dizem que os ajudará a combater a doença usando o próprio código genético do mosquito.

A busca envolve cientistas de diversas disciplinas que raramente colaboram, com frequência competem por fundos e têm ideias diferentes sobre como manipular geneticamente o mosquito, o Aedes aegypti.

Alguns querem caçar genes que, se alterados em mosquitos soltos na natureza, poderiam levar a espécie à extinção. Outros estão tentando identificar genes que controlam a forma como os mosquitos sentem suas presas humanas visando conceber repelentes melhores. Outros são a favor da ideia de criar seletivamente populações de mosquitos, assim como é feito com gado ou milho, em busca de características desejáveis (ou, pelo menos, menos indesejáveis) como uma preferência por picar animais, em vez de seres humanos.

O projeto decolou após uma série de postagens frustradas no Twitter por Leslie B. Vosshall, uma pesquisadora de mosquitos da Universidade Rockefeller. Vosshall fez um apelo por conselho para a construção de um mapa detalhado do DNA do mosquito em janeiro, quando o Brasil começou a relatar uma alta, aparentemente relacionada ao vírus da zika, de recém-nascidos com microcefalia.

"Fiquei preocupada de que as pessoas ficariam na defensiva, paranoicas ou estranhas", ela disse nos dias que antecederam a primeira videoconferência de cientistas. "Por muito tempo, creio que achamos que o mapa era responsabilidade de outra pessoa."

O pedido de mapeamento do genoma do Aedes aegypti recebeu pouca atenção, talvez porque o mapa em si não produziria uma solução para o vírus da zika, assim como o mapa do genoma humano não produziu uma cura para o câncer. Mas poderia levar a possibilidades biológicas, cujas consequências ecológicas são consideradas sérias demais para se correr o risco.

Mas a história de como o Grupo de Trabalho do Genoma do Aedes surgiu oferece um vislumbre da forma, com frequência improvisada, como a ciência avança, movida por interesses próprios, nova tecnologia e necessidades sociais urgentes. As buscas por seus membros refletem a variedade de esperanças por uma nova forma de combate genético que possa ser empregada, à medida que o fantasma de doenças transmitidas por insetos cresce, assim como nossa habilidade de analisar em detalhe o DNA deles.

E a necessidade de controlar o mosquito Aedes, que também transmite a febre amarela e outros vírus, provavelmente não terminará com o surto atual. Apesar da introdução de uma vacina contra a febre amarela que salvou milhões de vidas, por exemplo, o vírus ainda mata 30 mil pessoas por ano.

Se vamos controlar a criatura, precisamos conhecê-la de frente para trás e de trás para frente. Dispor da sequência completa do genoma da besta nos dará uma compreensão fundamental de sua biologia, algo que seria impossível de outra forma."
Jeffrey Powell, pesquisador da Universidade de Yale
O mapeamento do genoma, que cativou a imaginação popular pela primeira vez em 2000, com a divulgação do esboço de sequência do DNA humano, se transformou em uma ferramenta fundamental da biologia molecular moderna, usado para ajudar a estudar como as coisas vivas evoluem, se desenvolvem, adoecem e se comportam. Uma espécie de mapa do genoma do Aedes existe desde 2007, mas os pesquisadores dizem que ele é incrivelmente imperfeito: fragmentado em 36.204 partes, algumas montadas de forma errada, com centenas de genes conhecidos faltando e outros duplicados erroneamente.

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Tarefa pouco valorizada

Por muito tempo, o custo e a dificuldade tornavam o preenchimento cada detalhe proibitivo para todas as sequências de genoma, exceto algumas poucas, incluindo a nossa a as de um punhado de favoritos de laboratório, como camundongos e a mosca-das-frutas. Mesmo com novas técnicas tornando mais fácil e mais barato a criação de mapas melhores, a tarefa é vista mais como um feito técnico do que científico, um motivo para o mapa do Aedes permanecer em seu estado defeituoso.
"Não há muita glória nisso", reconheceu Powell.
Mas o vírus da zika ajudou a mobilizar a pequena comunidade de pesquisadores que já dedicava grande parte de seu tempo pensando no inseto. O aparente elo do vírus normalmente brando com más-formações cerebrais em bebês cujas mães foram infectadas durante a gestação provocou medo em todo o mundo e levou as autoridades de saúde a declararem a atual pandemia como sendo uma emergência de saúde pública.

Um mosquito Aedes nos Estados Unidos poderia se tornar transmissor do vírus caso picasse um viajante que contraiu a zika no exterior. Apesar de que o uso de ar-condicionado e telas provavelmente limitaria os surtos nos Estados Unidos durante o crescimento da população do mosquito no Sul do país durante o verão, conter a disseminação do vírus da zika significa controlar um mosquito que se tornou resistente a inseticidas antes eficazes e que precisa apenas de quantidades diminutas de água parada para procriar.

Mosquitos transgênicos

Alguns poucos experimentos com a liberação em massa de mosquitos alterados biologicamente, realizados por uma empresa de biotecnologia e por pesquisadores financiados pela Fundação Bill e Melinda Gates, relataram algum sucesso. Mas os pesquisadores dizem que outras estratégias quase certamente serão necessárias. Com o governo Obama pedindo por US$ 1,8 bilhão para combate ao vírus da zika, parece provável que Vosshall conseguirá verba para um novo mapa, que custaria algumas poucas centenas de milhares de dólares, com apoio suficiente e trabalho voluntário de outros pesquisadores.
E na primeira videoconferência deles no final de janeiro, nove equipes de cientistas de lugares distantes encontraram uma causa comum de descontentamento na tentativa de rastrear quais genes controlam quais características e um mapa que com frequência os desencaminha.

"Não tenho como dizer em quantas reuniões estive onde as pessoas usam palavrões" para descrever o mapa existente, observou para o grupo Anthony A. James, um pesquisador de mosquitos da Universidade da Califórnia, em Irvine.

Em meio às diferentes opiniões sobre qual seria a melhor abordagem e quem pagaria pelo que, surgiu um consenso. O DNA para o novo mapa seria extraído das crias de um acasalamento muito particular de mosquitos aedes, da mesma linhagem mapeada uma década atrás.
Eduardo Knapp/Folhapress


Poucos dias depois, os pesquisadores do Instituto Politécnico e Universidade Estadual da Virgínia enviaram os mosquitos na forma de ovos secos para o laboratório de Vosshall na Rockefeller, onde foram chocados e criados por um estudante de pós-doutorado, Ben Matthews. Como as fêmeas não botam ovos até serem alimentadas, Matthews deu o primeiro passo necessário. Dentro de uma câmara úmida, atrás de uma porta pressurizada e uma terceira porta pesada, ele ofereceu seu braço para uma picada, para que a Eva selecionada pudesse fazer o que é conhecido no jargão dos pesquisadores de mosquitos como "uma refeição de sangue".

"É meio que impressionante", ele disse alegremente, "quando se pensa na quantidade de dinheiro, tempo e ciência que virá em decorrência disto".

Apesar de ainda não ter atingido os cerca de US$ 250 mil necessários para os retoques finais até o final do mês, o grupo tinha um plano que envolvia três tipos de sequenciamento do DNA e dinheiro suficiente para começar. Assim, Matthews extraiu o DNA das pupas produzidas por Eva. Ele agora está sendo sequenciado.
Tradutor: George El Khouri Andolfato

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