O que é conhecimento científico?
Os problemas que envolvem as definições de ciência, bem como sua estrutura, função e validade, ou seja, problemas epistemológicos, apresentam-se desde Platão. O filósofo grego, ao opor a opinião – dóxa – ao conhecimento verdadeiro – conhecimento alcançado através da noésis -, hierarquiza o conhecimento e deixa evidente o problema da relação existente entre os dois tipos de conhecimento, além de outras consequências metafísicas. Já a diferenciação entre conhecimento científico e conhecimento do senso comum é de difícil determinação histórica, todavia a qualificação do conhecimento aparece já em Hesíodo – escrita mais ligada à vida no campo, escrita voltada para o senso comum – e em Homero – escrita voltada para pessoas de educação aristocrática. Esta problemática cisão receberá várias interpretações e hipóteses divergentes.
O desenvolvimento da epistemologia foi associado ao progresso científico do século XIX. Um importante teórico que trata do problema de definir a ciência e fazer a oposição da mesma com conhecimento advindo do senso comum, foi o filósofo francês Bachelard. Ao analisar o “espírito científico” e seu desenvolvimento e, mais importante ainda, ao buscar definir quais eram as condições para a formação do “espírito científico”, Bachelard diz da necessidade de ruptura com os preconceitos, com a ideologia, com a opinião e com a idolatria – os quais ele designa por “obstáculos epistemológicos”. Deste modo, seguindo o raciocínio do autor francês, a experiência não pode vir acima e antes da crítica, e assim, ele descreve as três etapas para a formação do espírito científico: primeiramente, o espírito se ocupa das primeiras imagens do fenômeno, exalta a natureza, evidencia tanto a unidade quanto a pluralidade no mundo. Este é o estado concreto. No segundo estado, esquemas geométricos são agregados às experiências físicas. Este é o estado-concreto – abstrato. No terceiro estado, “o espírito adota informações voluntariamente subtraídas à intuição do espaço real, voluntariamente desligadas da experiência imediata e até em polêmica com a realidade primeira, sempre pura e informe” (GERMANO, 2010, p. 120).
Apesar dos conflitos existentes entre as várias e diversas epistemologias, podemos concluir – através da contribuição de todos os autores, mesmo que divergentes – que o conhecimento científico é um conhecimento embasado no rigor científico, isto é, embasado em um método científico o qual deve objetivar por descobrir, descrever e estabelecer a relação de causa e efeito de um determinado fenômeno e deve fazê-lo de modo válido, ou seja, deve seguir o critério de neutralidade – isto significa que o pesquisador deve abandonar suas conclusões pessoais perante o objeto investigado.
O que é conhecimento do senso comum?
Conforme já expusemos na questão anterior, o problema do conhecimento do senso comum aparece quando há a cisão do conhecimento em duas categorias: conhecimento científico e conhecimento do senso comum. O conhecimento do senso comum é produzido no meio social através da vivência histórica. Caracteriza-se pela ausência de método; é um conhecimento direcionado para a prática e que adquire valor de verdade no interior do meio social em que se encontra. Está intrinsecamente ligado ao sistema de crenças do meio social e cultural do sujeito. O conhecimento do senso comum é um conhecimento intuitivo e seu critério de verdade não é universal, ou seja, varia de acordo com a crença e com a cultura de cada pessoa.
Ciência X Senso Comum: Um modo de conhecimento é mais importante que o outro?
Acredito que cada modo de conhecimento tenha uma utilidade dentro do contexto no qual se insere: o conhecimento científico se insere em um contexto de pesquisas científicas (as quais preconizam método e argumentos capazes de validar as hipóteses formuladas), em contextos acadêmicos, enquanto o conhecimento social encontra-se inserido no meio sócio – cultural. O conhecimento adquirido através do senso comum pode ter grande utilidade durante o processo de formação de um aluno, já que pode servir de ponto de partida. Tomemos um exemplo: os povos egípcios e mesopotâmicos já possuíam o conhecimento, mesmo sem comprovação científica, de que o sal na carne do peixe a conservava por mais tempo para que pudesse ser comercializada. Durante uma aula de química, ao explicar o processo químico da osmose – descoberta feita por René Dutrochet, em 1827 – o professor pode partir desse conhecimento que já se fazia presente no conhecimento do senso comum desde os povos antigos para um pensamento mais complexo, que exija maior abstração. Acredito que o conhecimento adquirido do senso comum é relevante quando utilizado como objeto de crítica e questionamento. Vale ressaltar que o conhecimento do senso comum liga-se à seu tempo histórico, diz das crenças e dos valores sociais referentes a este tempo histórico. Esta categoria de conhecimento reflete também, à partir da difusão da imprensa e da Reforma protestante (que deram incentivo para alfabetizar não só pessoas das classes dominante; o que, consequentemente, acarretou a maior qualificação do senso comum) a qualidade do conhecimento produzido pelo senso comum, isto é, se houve melhoria na educação das pessoas que não fazem parte de nenhuma classe dominante.
Deve-se ter em mente, que cada uma das categorias de conhecimento assume um diferente estatuto diante de diferenciados métodos de análise e, muitas vezes, tentam analisar o mesmo objeto.
Por que a Psicologia é reconhecida como ciência? A Psicologia utiliza conhecimentos do senso comum?
Para responder tal questão, temos de citar o fundador do positivismo, Comte. O filósofo desenvolveu a ideia de ciência e definiu os critérios para que um conhecimento seja tomado por científico, durante a Modernidade. Todos os conhecimentos que tinham respaldo em crenças humanas eram alvo da crítica de Comte. Assim, o único tipo de conhecimento tido como verdadeiro era o conhecimento científico – o qual não considerava o conhecimento do senso comum verdadeiro por não ser classificado como científico. O conhecimento produzido em laboratório era considerado científico por essa corrente de pensamento. Assim, o fenômeno da natureza observado pelo pesquisador deveria ser reproduzido em laboratório para que o conhecimento construído acerca deste pudesse ser verificado e, posteriormente, considerado verdadeiro.
Ademais, a psicologia buscou na teoria positivista respaldo para afirmar sua cientificidade. Wundt foi o fundador do primeiro laboratório de Psicologia em 1879. Assim, a Psicologia tornou-se ciência, pois fazia experiências que respeitavam os critérios comtianos. O experimento de Wundt com o metrônomo, tendo como método científico a introspecção analítica, mostrou a possibilidade de se descrever as impressões psicológicas relacionadas aos estímulos externos. Assim, ficou demonstrado por ele que as sensações cotidianas poderiam ser recriadas em laboratório seguindo os critérios da ciência positivista.
A Psicologia, enquanto definida como ciência que tem por objeto o estudo do homem considerando seus aspectos psicológicos, sociais, biológicos e seus variados modos de expressão, usufrui do conhecimento do senso comum para analisar pensamentos, reações, sonhos, linguagem e comportamento. Não obstante, o psiquismo humano, além de se formar de modo individual, relaciona-se fortemente ao meio no qual o sujeito está inserido.
O positivismo foi uma corrente teórica que criticava todos os conhecimentos baseados em crenças humana?
Concordo com a visão positivista quando utilizada no campo da Física, da Química, da Matemática, da Geometria, ou seja, das Ciências Exatas, de modo geral. Todavia, acredito ser pouco possível que haja o critério de neutralidade quando questões são colocadas, por exemplo, no campo da Historiografia – onde muitas hipóteses são formuladas e pouquíssimas podem ser verificadas dentro dos padrões positivistas. Deste modo, o positivismo propõe uma noção de ciência e critérios da mesma que não podem ser válidos para algumas disciplinas, como por exemplo, na História.
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