Os 3 tipos de eu (self) na Terapia de Aceitação e Compromisso
O eu como conceito, o eu como processo e o eu que observa.
Olá amigos!
Toda psicoterapia, terapia da psique (da alma), visa possibilitar com que o paciente viva melhor e consiga transformar os seus sintomas – “sinto-mal” – em uma compreensão maior de si, a fim de ter mais autonomia para agir e ser.
Há um tempo atrás, li uma frase da psicoterapia humanista que dizia que o objetivo era mudar o modo como a pessoa se vê, se compreende a si mesma. Pela Terapia de Aceitação e Compromisso, ACT, também podemos encontrar esse sentido: ao realizar que o eu (ou Self, no original) é maior e mais amplo do que o que comumente se pensa, há uma grande mudança sobre si e, consequentemente, uma grande mudança na vida.
1) O eu como conceito (conceptualized Self)
A palavra conceito vem do latim conseptus, do verbo concipere que tem o significa de formar dentro de si. Quando vamos analisar o eu, veremos que surgirá um conceito sobre o eu, uma forma, uma ideia formada dentro da nossa cabeça. Uma pessoa pode dizer:
“Eu sou uma pessoa boa. Pura. Casta. Altruísta”.
Esses são conceitos (bondade, pureza, castidade, altruísmo) que nortearão a vida dessa pessoa. Como são conceitos positivos, em princípio, não haveria nada de ruim neste tipo de eu. Porém, o problema surge quando há um conflito entre esses conceitos e a necessidade da realidade – ou do corpo.
Digamos que em uma situação seja necessário ser duro, firme, bravo. Talvez, pelo conceito do eu, a pessoa não conseguirá agir como deveria agir. E, ao não conseguir agir, passará a ser – naquele momento – uma pessoa má e egoísta.
Além disso, o eu como conceito vai excluir muitos e muitos momentos na vida e vai colocar no inconsciente (no que Jung chama de sombra, Schatten) muitos aspectos que também fazem parte da personalidade. Os dois maiores complexos são, como sabemos, o complexo de poder e o complexo ligado à sexualidade.
Assim, como é comum, uma pessoa que se define como uma pessoa boa, pura, casta e altruísta vai conseguir ver a maldade, impureza, sexualidade e egoísmo nas outras pessoas. Mas não saberá que esses traços igualmente estão dentro dela mesma.
Caso passe a perceber que é isso, mas também pode ser o contrário, que pode ser de um jeito em uma circunstância e de outra maneira em outro tempo, chegará perto do segundo tipo de eu.
Segundo Steven Hayes, no livro Get out of your mind and into your life:
“Quando você deixa o apego ao eu como conceito, você é como uma criança, aberto a cada possibilidade, com vontade de descobrir o que é”.
2) O eu como processo de autoconsciência (Self as a Process of ongoing Self-Awareness)
Hayes diz: “O eu como processo contínuo de autoconsciência é conhecimento fluido de sua própria experiência no momento presente. É como o eu como conceito, na medida em que aplicamos categorias da linguagem. Mas é diferente porque, em vez de utilizar categorias fixas e de julgamento de valor, as categorias são descritivas, não avaliativas, presentes e flexíveis:
‘Agora eu estou sentindo isso’.
‘Agora eu estou sentindo aquilo’.
‘Agora eu estou me lembrando disso’.
‘Agora eu estou vendo aquilo’.
A diferença entre o primeiro tipo de eu e o segundo consiste na fixidez, maior ou menor. O eu como conceito tende e quer ser fixo, imutável, rígido. O eu como processo é naturalmente fluído, impermanente, inconstante.
Se o eu como conceito avaliar e julgar o eu como processo, pensará que esta não é uma boa maneira de viver: cada hora sendo de um jeito. Porém, como podemos notar claramente na realidade, tudo está em contínuo processo de mudança.
Gosto de pensar no exemplo do impressionismo. Antes do movimento impressionista, os artistas pintavam seus quadros em estúdios, com iluminação controlada. Quando (a partir de Kant), eles passaram a olhar o mundo como um processo, viram que um objeto se transforma com a mudança da luz ao longo de um dia. É algo óbvio, mas isto estava excluído da arte até então, pois uma árvore é de um jeito de manhã e no pôr-do-sol.
Veja abaixo uma foto e uma quadro de Monet:
Evidentemente, o eu como processo dá-nos muito mais liberdade e até tranquilidade já que sabemos que um estado emocional difícil ou uma sensação como uma dor vai passar. Também estimula uma maior compreensão das outras pessoas. Se lidamos com o outro como um conceito, por exemplo, “aquela pessoa é antipática”, vamos estar lidando não como a pessoa-ela-mesma, mas sim com a ideia que temos dela.
3) O eu como observador (Observing Self)
A maior resistência para aceitar a ideia do eu como processo é o pensamento seguinte: “se eu estou em constante mudança, se eu não me identifico com os meus pensamentos, sentimentos e emoções como sendo eu, então quem sou eu?”
O terceiro tipo de eu é um pouco mais complicado de entender, não por ser complexo, mas sim por ser extremamente simples. O terceiro tipo de eu na ACT é o eu como o observador. Segundo Hayes, existem vários nomes: “o eu como contexto, o eu transcendente, o eu espiritual (spiritual sense), o eu como nada (no-thing)”.
Em algumas tradições orientais, existe a noção do eu como nada ou como vazio (shunyata). Para o eu como conceito, isto é simplesmente inconcebível… ou no mínimo uma depreciação do seu valor. “Como? Eu não sou nada?!”
Mas é fácil de compreender que não se trata de niilismo. A ideia do eu como nada (no-thing) pode ser compreendida pela palavra em inglês, nothing, ou seja, como “nenhuma coisa”.
Explico: ao longo do dia nós entramos em contato com centenas, milhares, quem sabe milhões de estímulos: o que vemos, ouvimos, cheiramos, degustamos, tocamos. Não só fora, no nosso ambiente, como também dentro: sensações internas, na pele, imagens, sons (pensamentos), emoções, etc.
Ora, se passarmos a compreender que o eu é como um processo de transformação constante de uma coisa em outra, de uma ideia que surge para a ideia seguinte, de uma sensação que nasce para depois morrer, de uma emoção que muda, enfim, veremos que somos tudo isso, mas também que não somos nada disso, nenhuma coisa (nothing) dos fenômenos.Antes, somos a consciência que observa: o eu, portanto, como um observador de tudo. O que permite com que todos os fenômenos sejam percebidos, ao mesmo tempo em que não há identificação permanente com nada.
Para concluir, gostaria de deixar aqui uma música fantástica dos Beatles, chamada Tomorrow never knows, amanhã nunca se sabe:
– Dúvidas, sugestões, comentários, por favor, escreva abaixo:
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