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domingo, 19 de abril de 2015

Dica da TV PSI: Veja agora: Por que (ainda) nos ferimos por palavras? Conteúdo do site PsicologiaMSN.com, visite e embarque no mundo da Psicologia. Parabéns Professor Felipe de Souza

 por  | Dicas Práticas


O que não quer dizer nada, sempre quer dizer qualquer coisa (Fernando Pessoa).

Olá amigos!
Gostaria de começar o texto de hoje fazendo uma pergunta e um desafio. Você fala uma língua estrangeira? Não? Sim? Se você fala, ótimo! Se você não fala, o desafio é para você: aprenda! E se você fala, procure aprender outra. Uma língua estrangeira é útil não só porque nos dá possibilidades de trabalho e estudo, além da evidente perspectiva de poder conversar com pessoas de outras culturas.
Uma língua estrangeira nos dá muito mais! O principal objetivo, em minha opinião, é que, ao aprendermos uma nova língua, podemos passar finalmente a entender o que é a nossa própria língua.
Wittgenstein, o famoso filósofo da linguagem, dizia: The limits of my language mean the limits of my world. Tradução:
“Os limites da minha linguagem significam os limites do meu mundo”.
E Goethe teve a felicidade de criar uma frase sobre a linguagem que é extremamente sucinta e precisa: “Wer fremde Sprache nicht kennt, weiß nichts von seiner eigenen”, que quer dizer:
“Aquele que não sabe nenhuma língua estrangeira, não sabe nada da sua própria língua”.
Bem, se você ainda não teve a chance de aprender uma outra língua, tudo bem. Mas faça um esforço. Hoje em dia até sem dinheiro é possível aprender pela internet. Veja aqui – Cursos de idiomas gratuitos: inglês, espanhol, francês e alemão
Mas voltando ao tema do nosso texto, aprender uma outra língua nos permite entender um princípio fundamental sobre a nossa própria língua. Aliás, sobre toda e qualquer língua. Uma palavra, escrita ou falada, é só isso: um significante.

Um exemplo do chinês

O ideograma chinês  ( rén – rén shì ) significa pessoa. Do mesmo modo que pode parecer bizarro para nós que um símbolo, uma imagem, e um som como rén – rén shì tenha um significado, para um chinês, a palavra pessoa, person, Personne também será um som e uma imagem qualquer. Não significará nada. Será tão somente um significante, uma imagem acústica, destituída de sentido, de significado.
Recentemente eu descobri um site muito interessante para quem quer aprender chinês. Chama-se chineasy.org (um trocadilho com a palavra inglesa easy e chinese). Só por curiosidade, vou postar uma imagem com algumas palavras para vermos como o significante é arbitrário:
chines
Para facilitar a aprendizagem, o site criado pela Shaolan (você pode ver uma palestra dela no TED clicando aqui), o site coloca o ideograma (em preto) envolto em imagens. Como vimos  significa pessoa. Shaolan nos ensina que a imagem é como uma pessoa andando, de perfil.
O que é bacana do chinês é que é uma linguagem totalmente visual. Então, nós temos centenas de palavras que serão formadas com este ideograma inicial:
chines2
Estes são alguns exemplos. Amanhã é formado pelo ideograma Sol-lua-sol, o que tem um significado muito claro. Depois que a lua desaparecer e o sol reaparecer, será amanhã. Gostei especialmente do ideograma para Raiva: fogo + pessoa! Ter raiva é estar envolto em fogo. Não dizemos, estar vermelho de raiva?
Bem, embora faça sentido, ainda assim não deixa de ser um sentido arbitrário, construído, elaborado por uma determinada sociedade, por uma determinada cultura. E é justamente neste ponto que está a resposta para a pergunta: por que (ainda) nos ferimos por palavras?

Por que (ainda) nos ferimos por palavras?

A resposta para esta pergunta é porque as palavras tem sentido para nós. Se não falamos português, as palavras significantes (sons vazios) são apenas sons vazios. Depois que aprendemos a língua vamos ser constantemente afetados por estes sons, que não serão mais vazios: terão significado, terão sentido.
Se eu digo: “como você é burro!” o som destas palavras pode despertar um profundo sentimento de tristeza, raiva, descontentamento, ódio, desprezo. Mas no fundo, bem no fundo, o som “como você é burro” é um som tão vazio como “du bist so dumm” ou “you’re so dumb” ou “你是如此愚蠢”…
Então, aprendemos uma língua. As palavras ganham sentido. E as palavras fazem referências a coisas, objetos concretos e abstratos, ações, tempo, espaço, emoções…

Psicologia – ACT e RFT

Estou começando a estudar agora a ACT (Acceptance and Commitment Therapy) que é uma das correntes mais modernas da terapia comportamental, em português, Terapia da Aceitação de Compromisso, que também utiliza técnicas de Mindfulness.
A ACT, por sua vez, se baseia na RFT (Relational Frame Theory), traduzido por Teorias das Molduras Relacionais ou Quadros Relacionais. Segundo Steven Hayes:
“A premissa básica da RFT é que o comportamento humano é governado largamente por redes de relações mútuas chamadas de quadros relacionais. Essas relações formam o centro da linguagem humana e de sua cognição, e nos permite aprender sem depender de uma experiência direta. Por exemplo, um gato não vai tocar em um fogão quente duas vezes, mas ele vai precisar tocar uma vez para aprender. Uma criança não vai precisar tocar para aprender que o fogão pode queimar, pois ela aprende verbalmente. No mundo externo, esta habilidade é uma ferramenta sem comparação. Mas em termos de nossas vidas internas, as regras verbais podem restringir as nossas vidas de maneiras prejudiciais”.
A criança faz a relação: fogão = queimar
Até aqui tudo bem. Mas vamos nos aprofundar no conceito de relação. Steven diz:
“Os seres humanos são capazes de relacionar objetos em seu ambiente, pensamentos, sentimentos, predisposições comportamentais, ações (basicamente tudo) a quaisquer outros objetos em seu ambiente, pensamentos, sentimentos, predisposições comportamentais, ações (basicamente qualquer coisa) de praticamente toda maneira possível (por exemplo, como similar, o mesmo que, melhor que, oposto a, parte de, causa de, e assim por diante”.
Ou seja, fazemos sempre e constantemente relações entre coisas. Uma coisa (um pensamento) e uma outra coisa (um objeto). Eu digo: “pense em um carro amarelo” e você consegue ver o carro amarelo. Fazemos relações de sentimentos com situações: “toda vez que escuto a música X me sinto alegre”. Fazemos relações entre ações e pensamentos. “Aquela pessoa fez aquilo, então é má, ou boa, ou feliz, ou saúdavel, etc”.
Em resumo: somos capazes de fazer relação de tudo com tudo, de maneiras que visam a comparar dois objetos quaisquer. Compararmos por:
- coordenação (o mesmo que, similar, como)
- tempo (antes e depois, se isso, então aquilo; pai e filho)
- avaliação (melhor que, maior que, mais rápido que, mais bonito que, etc)
- deíctico (referência a partir do sujeito que fala: eu, você, eles, etc)
- espacial (perto, longe, dentro, fora, etc)
Enfim, a nossa mente tem uma capacidade incrível de pensar e relacionar coisas. Mas qual é o X da questão? O X da questão é que nem sempre tais relações são verdadeiras! (No fundo, pensamentos em sons e imagens não passam de sons e imagens)… e que podem ser utilizadas para o bem ou para o mal.
Evidente que não queremos nos afastar da experiência de ouvir um “eu te amo”, mas temos que passar a ter a habilidade de nos distanciar e avaliar com calma o que quer que esteja nos afligindo.

Conclusão

Não é interessante analisar que possamos passar uma vida inteira sofrendo por causa de algumas palavras? Aprender uma língua estrangeira nos permite entender na prática como é o funcionamento de uma língua, o que nos dá a capacidade de nos distanciar dos sentidos que estão incrustados em nossa própria língua materna.
Não há quem não tenha sofrido pela linguagem. Mas certamente não precisamos ficar presos no sofrimento. Uma técnica boa é justamente perceber que a linguagem é apenas um som. Uma ofensa, nesse sentido, é como uma música ruim que acaba. Podemos continuar com a música na cabeça… ou simplesmente deixar de ouvir a música ruim e ouvir uma música boa ou nenhuma.
Mais para frente, falaremos mais sobre a ACT.
Dúvidas, sugestões, comentários, por favor, escreva abaixo.
Referência Bibliográfica
HAYES, Steven. Get out of your mind and into your life: the new acceptance and commitment threrapya. Kindle Edition.

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